Terence Tao é um dos matemáticos mais influentes da atualidade. Nascido em 1975, é professor na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), e vencedor da Medalha Fields — o “Nobel da Matemática”. Além de seu trabalho técnico de alta qualidade em análise, teoria dos números e combinatória, Tao é amplamente reconhecido por sua clareza ao discutir a natureza da própria atividade matemática. Neste petisco, exploramos seu artigo “What is Good Mathematics?”, no qual ele reflete sobre o que faz uma matemática ser “boa”.
Tao começa propondo uma longa lista de atributos que podem definir uma boa matemática:
- boa resolução de problemas;
- boas técnicas;
- boa teoria;
- bons insights;
- belas descobertas;
- boas aplicações;
- boa exposição;
- boa pedagogia;
- boa visão e gosto matemático;
- rigor, beleza, elegância, criatividade, utilidade, profundidade, intuição, entre outros.
Ele mostra que cada um desses aspectos reflete um tipo de excelência possível dentro da matemática — e que não há uma hierarquia clara entre eles.
Tao enfatiza que a qualidade matemática é algo de múltiplas dimensões — não existe uma ordem universal que determine o que é “melhor”. A matemática é um campo vasto e dinâmico, no qual estilos, métodos e objetivos diversos coexistem e se complementam. Cada matemático traz talentos diferentes, e cada subárea valoriza aspectos distintos, conforme seu estágio de desenvolvimento. Essa pluralidade é, segundo ele, o que mantém a disciplina viva, permitindo que se explorem variados caminhos rumo à compreensão e ao progresso.
Ele alerta, porém, que o desequilíbrio ocorre quando uma área se fixa em apenas uma ou duas dessas dimensões e negligencia o restante. Um campo pode tornar-se excessivamente técnico, autocentrado ou teórico, perdendo o contato com problemas significativos e deixando de inspirar novas gerações. Tao cita exemplos hipotéticos de áreas que se tornam “barrocas”, cheias de refinamentos sem direção, ou que produzem conjecturas sem meios de prová-las. Por sorte, nas palavras dele, o antídoto para isso é natural da própria atividade matemática: o intercâmbio entre diferentes culturas matemáticas. Na sua visão, o contato com outras áreas e estilos funciona como um mecanismo de autorregulação, impedindo que a matemática se estagne.
Do discutido, fica claro que uma “melhor matemática” é um tópico idiocrático de se discurtir, porém, será que deveriamos - e claro, se conseguiriamos - tentar definir o que é “boa matemática”? Definições rígidas, diz Tao, podem gerar arrogância e cegueira a novas ideias; mas a ausência completa de critérios leva à dispersão e ao desperdício de recursos. O caminho ideal é um consenso flexível dentro de cada campo — um entendimento evolutivo sobre quais qualidades são mais frutíferas em cada momento. Em áreas maduras, pode-se valorizar o rigor e a sistematização; em campos jovens, a experimentação e a ousadia.
Para ilustrar o que entende por “boa matemática”, Tao analisa a história do Teorema de Szemerédi, que afirma:
“Qualquer subconjunto dos números inteiros com densidade positiva contém progressões aritméticas de comprimento arbitrário.”
A história começa com o Teorema de Ramsey, que afirma que qualquer grafo completo suficientemente grande, com arestas coloridas de forma finita, conterá subgrafos completos monocromáticos. Em termos simples, em qualquer grupo suficientemente grande de pessoas, haverá sempre três que se conhecem mutuamente ou três que são todas estranhas entre si — um exemplo intuitivo de que “a completa desordem é impossível”. A partir desse princípio surgiu uma classe de resultados chamada teoremas do tipo Ramsey, que expressam de diferentes formas essa ideia fundamental. Um dos primeiros exemplos foi o Teorema de van der Waerden, que diz que, ao colorir os inteiros de forma finita, um dos conjuntos de cor conterá progressões aritméticas arbitrariamente longas. Embora o argumento original de van der Waerden fosse elegante, ele fornecia limites quantitativos extremamente fracos para o comprimento das progressões.
Tao então descreve como Erdős e Turán buscaram fortalecer esses resultados, motivados pelo desejo de compreender, por exemplo, se os números primos contêm progressões aritméticas arbitrariamente longas. Eles formularam diversas conjecturas — entre elas, a conjectura de Erdős–Turán, que propõe que qualquer conjunto de inteiros positivos, cujos recíprocos não formam uma série convergente, deve conter progressões aritméticas arbitrariamente longas. O progresso inicial nessas conjecturas veio de construções de contraexemplos parciais, sendo notável o trabalho de Behrend, que mostrou a existência de conjuntos esparsos de inteiros sem progressões aritméticas de tamanho três, refutando as versões mais ambiciosas dessas conjecturas. Apesar disso, esses resultados indicaram que, caso as conjecturas de Erdős–Turán fossem verdadeiras, suas demonstrações exigiriam métodos não triviais e, portanto, profundamente interessantes do ponto de vista matemático.
Avanços vieram com Roth, que aplicou o método do círculo de Hardy–Littlewood em conjunto com o método do incremento de densidade para provar o Teorema de Roth: “todo conjunto de inteiros de densidade positiva contém progressões aritméticas infinitas de comprimento três”. Esse resultado marcou um passo decisivo na teoria, mas a extensão do método para progressões mais longas se mostrou extremamente difícil. Muitos tentaram avançar a partir do trabalho de Roth, mas sem sucesso completo — até o surgimento das ideias inovadoras de Endre Szemerédi.
Szemerédi retomou uma abordagem puramente combinatória e conseguiu estender o resultado de Roth primeiro para progressões de comprimento quatro e, depois, para progressões aritméticas de qualquer comprimento, estabelecendo o célebre Teorema de Szemerédi. Sua prova foi considerada um tour de force técnico, repleta de novas ideias e ferramentas. Entre elas, destacou-se o Lema de Regularidade de Szemerédi, um resultado profundo que revolucionou a forma de estudar grandes grafos, permitindo tratá-los como combinações de estruturas simples — um conceito que hoje é visto como um teorema de estrutura e compacidade. Além disso, o lema proporcionou novas abordagens analíticas, como o método do incremento de energia, e abriu caminho para inúmeras aplicações inesperadas, desde a teoria dos grafos até áreas como a testagem de propriedades e a teoria da probabilidade.
A história não parou em Szemerédi. Hillel Furstenberg reinterpretou o teorema usando teoria ergódica, transformando o problema combinatório em um sobre sistemas dinâmicos e recorrência múltipla. Essa visão gerou novas ferramentas e teoremas — e mostrou que diferentes abordagens podem iluminar o mesmo resultado de formas distintas. Mais tarde, vieram abordagens via teoria dos grafos (com o lema da remoção de triângulos), teoria dos hipergrafos, e métodos analíticos e aditivos, culminando com o trabalho de Green e Tao, que provaram que os números primos contêm progressões aritméticas de qualquer comprimento.
Essa jornada mostra, segundo Tao, como uma ideia matemática de qualidade pode se desdobrar em uma verdadeira “história matemática” — cruzando campos, gerando novas técnicas e inspirando gerações.
Em sua conclusão, Terence Tao argumenta que a melhor matemática não se define apenas por critérios isolados, como elegância, rigor ou clareza, mas por fazer parte de uma história maior — um grande enredo matemático que conecta ideias, inspira novos desenvolvimentos e contribui para o avanço coletivo da disciplina. Ele enfatiza que cada área da matemática evolui por meio dessas histórias interligadas, impulsionadas por um pequeno grupo de ideias fundamentais que se expandem e se entrelaçam ao longo do tempo. Assim, a verdadeira qualidade de um trabalho matemático não está apenas em seus méritos técnicos imediatos, mas também em seu potencial de gerar novos caminhos e inspirar futuras descobertas.
Tao conclui que “boa matemática” é aquela que transcende a simples resolução de problemas ou a criação de provas elegantes — ela deve se encaixar em um contexto maior, contribuindo para o progresso global da matemática. Mesmo que não seja possível prever com certeza quais trabalhos terão esse impacto duradouro, há um “senso indefinível” de que certas ideias estão “a caminho de algo maior”. Para ele, a busca pela boa matemática é tanto um exercício técnico quanto uma aventura criativa e coletiva, cujo verdadeiro valor se revela quando suas conexões e influências se tornam parte de uma história matemática mais ampla.

