As Artes Liberais compõem uma metodologia de ensino que se desenvolveu na Antiguidade e na Idade Média, donde “arte” se refere aos ofícios (profissões) que poderiam ser exercidos pelos cidadãos de então. As sete artes liberais clássicas são divididas entre Trivium: gramática, dialética (lógica) e retórica; e Quadrivium: aritmética, geometria, música e astronomia; que juntas “oferecem uma escada segura e confiável para alcançar os valores simultâneos da Verdade, da Beleza e da Bondade”, em trecho retirado deste último. Com efeito, percebe-se o intuito de se alcançar o que era considerado uma formação completa do ser.
A essência do Quadrivium, inicialmente formulado e ensinado por Pitágoras por volta de 500 a.C., é os números. Em particular, a música, para Platão, significava o número no tempo. De fato, a relação entre matemática e música é algo muito profundo: desde tempos a compassos, de escalas a frequências, não é difícil notarmos seu domínio. Para além do trivial, diversos musicistas fizeram uso “explícito” desta em suas obras ao, por exemplo, basearem suas composições em sequências matemáticas.
A sequência de fibonacci, cujo nome se remete ao matemático italiano Leonardo Fibonacci (1170 - 1240-50) — que a usou para descrever o padrão de reprodução em uma população de coelhos — pode ser definida pela fórmula
$$ \begin{align*} F_{n}=F_{n-1}+F_{n-2}, \text{ para } n=3,4,5,…, \end{align*} $$
onde estão definidos os termos \(F_{1}=0\) e \(F_{2}=1\). Assim, os dez primeiros termos da sequência são 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21 e 34. Essa foi a inspiração (inicialmente acidental!) que Tool, uma banda estadunidense de metal progressivo, usou para desenvolver a métrica — número de tempos em um compasso — e a letra da música Lateralus (2001).
A música, com duração de pouco mais que 9 minutos, começa com um riff limpo de guitarra, com certo delay. Enquanto o surdo da bateria aumenta aos poucos, o baixo encontra o seu lugar e, pouco depois, a distorção da guitarra, o snare da bateria e o tremor do baixo se chocam energicamente. O fim desse pico se dá em 1 minuto e 37 segundos (1:37), que é quando os vocais entram em cena. Mas, 1:37, quando convertido em minutos, é igual a aproximadamente \(1.617\), que é uma aproximação para o número de ouro \(\phi = 1.618…\): o valor para o qual a sequência construída a partir da razão \(\frac{F_{n}}{F_{n-1}}\), para \(n=3,4,5,…\), converge quando \(n \to \infty\).
Os vocais estão estruturados de modo que, na maior parte da música, o número de sílabas de uma frase é um número de fibonacci. Em particular, o número de sílabas de uma frase adjacente a determinada frase é o número de fibonacci imediatamente antes ou imediatamente após o da frase em questão. Observe o primeiro verso:
Black (1)
Then (1)
White are (2)
All I see (3)
In my infancy (5)
Red and yellow then came to be (8)
Reaching out to me (5)
Let me see (3).
As métricas, tanto da “parte enérgica” da introdução quanto dos refrões, alternam entre 9/8, 8/8 e 7/8, nesta ordem. A ideia de utilizá-las surgiu quando o baixista Justin Chancellor apresentou um riff e, após algum trabalho, o ajustou para tais métricas. Nem mesmo 987 escapa de ser um número de fibonacci, pois o baterista Danny Carey não tardou em fazer uma conexão com a sequência.
Em 4:48, depois do refrão e pós-refrão, a agitação diminui subitamente. O baixo se isola, repetindo a mesma nota quatro vezes de novo e de novo até que a bateria entra e, bem… tudo vira uma bagunça. Não é necessário esperar o retorno da guitarra de Adam Jones para percebemos que algo está fora do lugar. Assim que Maynard James Keenan canta “Feel the rhythm…”, a bateria coloca seu chimbal aberto em jogo e a tensão aumenta consideravelmente. Alguns fãs interpretam a situação como a de que algo estivesse perseguindo a espiral gerada pela sequência, sendo uma aproximação ruim no começo, mas, conforme a tensão aumenta, mais este objeto se aproxima da espiral e, em 6:20, tudo se encaixa novamente.
Sua letra pode ser interpretada de diversas maneiras, inclusive através dos princípios do Quadrivium. No entanto, pelos refrões, uma ideia parece estar clara: “Pensar demais, analisar demais separa o corpo da mente”. E cá estamos, na ironia de analisar uma música que critica o analisar demais tendo sido criada com o intuito de ser analisada.