Em 1980, o mundo passa a conhecer a hoje famosa cabeça amarela ambulante que percorre um labirinto comendo pastilhas enquanto foge dos quatro fantasmas Blinky, Pinky, Inky e Clyde.

Eis que o jogador se encontra encurralado, por Clyde, entre uma parede e uma borda. Ora, Pac-Man tem plena consciência de que mora na planolândia mas, como já estava “perdido”, decidiu contar com a sorte e ver o que aconteceria caso se forçasse contra a borda.
Espera, o que acabou de acontecer? Isso mesmo: ele reapareceu na borda oposta, na mesma reta de onde entrara em um… portal? Após o ocorrido, Pac-Man conseguiu comer todas as pastilhas e, antes que se resetasse o mapa, aceitou nos ceder uma entrevista exclusiva (em troca de algumas pastilhas).
Jornal do PET: Olá, Sr. Pac-Man. Em primeiro lugar, agradecemos o tempo tirado para falar conosco. Agora, nos conte: como foi essa “viagem” até a outra borda?
Pac-Man: Obrigado pelas pastilhas. Sobre a viagem, não vi nada. Espero ter ajudado.
Pac-Man não nos ajudou muito, mas está tudo bem, pois existe uma teoria matemática que pode explicar o ocorrido: a Topologia.
O problema principal da Topologia consiste em dizer se dois espaços são homeomorfos ou não. Uma aplicação contínua é uma função que leva pontos que estão próximos em outros pontos próximos. Já um homeomorfismo é uma aplicação contínua e inversível entre dois espaços topológicos, cuja inversa também é contínua. Grosso modo, um homeomorfismo é uma “equivalência” entre duas coisas, a princípio, diferentes, onde uma pode ser transformada na outra por meio de deformações contínuas — como se fosse brincar de massinha, deformando livremente o espaço, esticando ou apertando, sem rasgar ou colar pontos distantes. Talvez o exemplo mais popular seja o homeomorfismo entre uma caneca e uma rosquinha.




Não é à toa que o coitado do Pac-Man não sabia o que ocorreu. Assim como não conseguimos visualizar tão intuitivamente o mundo em \(3 + 1 = 4\) dimensões, Pac-Man não consegue fazê-lo em \(2 + 1 = 3\) dimensões. Mas como é possível, então, que ele tenha se teletransportado de uma parede à outra do labirinto, como num passe de mágica? A resposta está na Topologia: o labirinto retangular cujas bordas se conectam é homeomorfo ao Toro \(\mathbb{T}^2\), a superfície em formato de rosquinha.
Tal homeomorfismo pode ser visualizado, na nossa dimensão, ao fazermos a identificação de um par de arestas (por exemplo, as verticais) do retângulo onde vive o Sr. Pac-Man e, em seguida, a identificação do outro par de arestas (agora as horizontais). Devemos notar que o modo com o qual essa identificação é feita é importante para determinarmos a superfície resultante. Nesse caso, em particular, identificamos o primeiro par de arestas de modo direto. No entanto, poderíamos ter feito um giro de 180 graus antes da identificação do primeiro par e seguido normalmente com a do outro par de arestas. Isso geraria uma superfície diferente e, de fato, não homeomorfa ao agora familiar Toro. Essa superfície é chamada de Garrafa de Klein, a qual não precisamos nos preocupar no momento pois, à luz do mais recente incidente com Sr. Pac-Man, sabemos que lidamos com o Toro. Essa ideia de identificação é formalizada a partir do conceito de relação de equivalência, na qual os pontos de um espaço topológico podem ser mapeados um no outro por meio de uma transformação contínua que preserva a estrutura topológica desse espaço, ou seja, por um homeomorfismo! No caso do retângulo com identificação direta, os pontos das bordas são “levados” aos seus correspondentes — pontos com exatamente uma das respectivas coordenadas iguais — na aresta oposta e os pontos interiores o são a eles próprios.

Isso explica por que o Pac-Man consegue viajar de uma borda para outra, mas certamente não explica por que o primeiro nome de seu criador é Tōru…
Referências: [1] MARAR, Ton. Topologia Geométrica para Inquietos. São Paulo: Edusp, 2023.